As alterações laborais, o upskilling e os pactos restritivos da liberdade de trabalho

A décima quinta e já muito discutida alteração ao Código do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, veio, entre outras, introduzir alterações significativas ao regime da contratação a termo até então vigente, bem como ao regime da formação profissional. Adicionalmente, esta mesma lei veio estabelecer a igualmente já famosa, mas ainda muito pouco clara, “Contribuição Adicional por Rotatividade Excessiva”.

A mensagem do legislador é clara: o recurso à contratação a termo terá que passar a ser ainda mais excecional e as entidades empregadoras que continuarem a fazer uma utilização comum desta modalidade de contratação serão penalizadas.

Se, por um lado, nos parece certo que muitas entidades empregadoras serão forçadas a reequacionar os seus modelos de contratação, por outro, não estamos certos – até porque o regime concreto da contribuição adicional ainda é desconhecido – que os “prevaricadores” venham de facto a ser penalizados.  

Para melhor entender quais as limitações resultantes da recente alteração ao Código do Trabalho, recapitulemos algumas das medidas com maior impacto nesta matéria.

Conforme já amplamente discutido nos mais variados fóruns da especialidade, as alterações à contratação a termo visam essencialmente tornar o recurso a este tipo de contrato ainda mais difícil, desde logo por via da redução da duração máxima dos contratos a termo certo que passa a estar limitada a 2 anos (anteriormente 3 anos) e sendo que os contratos a termo incerto passam a ter uma duração máxima possível de 4 anos (anteriormente de 6 anos).

Adicionalmente, as renovações dos contratos a termo certo - sendo apenas permitidas, no máximo, 3 renovações - passam a estar limitadas, no seu conjunto, pela duração inicial do contrato. A título de exemplo, as 3 renovações de um contrato inicial de 1 ano não poderão, no seu conjunto, exceder 1 ano, perfazendo o contrato um máximo de 2 anos.

Em termos práticos, o recurso à contratação a termo certo como forma de garantir um “período experimental alargado” deixará, a curto prazo, de ser uma realidade e/ou possibilidade. Com efeito, e dado que o primeiro contrato a termo certo passa a determinar qual a duração potencial máxima de uma relação de trabalho a termo certo, o primeiro contrato celebrado passará a ser determinante e, necessariamente, passarão a ser acordados períodos de duração mais longos.

Nesta matéria, e embora tenha merecido menor enfoque mediático, importa dar nota de que o legislador passou a estabelecer a proibição do regime da contratação a termo poder ser alterado por via de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, mas também a obrigar à definição objetiva das necessidades temporárias da empresa que motivam a contratação a termo. Estas duas alterações são, por si só, bastantes limitativas do recurso à contratação a termo em setores tais como o da construção civil, cujo contrato coletivo de trabalho permite a contratação a termo como resultado da entidade empregadora estar a desenvolver uma obra cuja duração não ultrapasse 8 meses – este género de cláusulas terão que ser alteradas até ao final do próximo mês de setembro, sob pena de se passarem a considerar nulas.

As alterações acima enunciadas são naturalmente muito significativas e, provavelmente, forçarão as entidades empregadoras a repensarem os seus modelos de contratação e a recorrerem de forma mais sistemática a contratos a termo incerto.

Ainda em relação à contratação a termo, o legislador inovou e criou a já acima referida “Contribuição Adicional por Rotatividade Excessiva”, a qual, muito embora se encontre dependente de regulamentação específica ainda desconhecida, consistirá na aplicação de uma taxa progressiva, até um máximo de 2%, acrescida à atual Taxa Social Única. Esta nova taxa será aplicável às entidades empregadoras em função da diferença entre a contratação a termo efetiva que registem e a média de contratos a termo verificada no sector de atividade económica no qual atuem. Ora, sem prejuízo de se aguardar ainda por regulamentação nesta matéria e com base naquilo que acima mencionamos, é possível antecipar que em sectores onde o recurso à contratação a termo é historicamente alto (e.g., construção civil) é provável que não venha a ser aplicada qualquer taxa adicional – i.e. se a empresa se mantiver com um nível de contratação a termo dentro da média do setor parece que nenhuma consequência se lhe aplicará.

Entre as várias outras medidas trazidas pela 15.ª alteração ao Código do Trabalho, o legislador passou ainda a estabelecer o direito dos trabalhadores a um mínimo de 40 horas de formação profissional por ano (anteriormente de 35 horas por ano), área que é classicamente negligenciada pelas entidades empregadoras, seja porque não prestam formação profissional aos seus trabalhadores ou porque, quando o fazem, não guardam registos da mesma.

Ora, parece-nos claro que o legislador pretende combater, desincentivar e penalizar o recurso à contratação a termo e, assim, forçar as entidades empregadoras a repensarem os seus modelos de contratação.

Às alterações legislativas acima expostas, acrescente-se a atual conjuntura de um quase pleno emprego, a dificuldade em contratar e reter talento. E é também por esta razão que as alterações laborais mais recentes e a atual conjuntura estão inevitavelmente relacionadas com a necessidade das empresas promoverem o upskilling dos seus trabalhadores. Com efeito, a imposição de novas restrições à contratação a termo, simultaneamente com o aumento do número mínimo obrigatório de horas de formação profissional, não se tratou de uma mera coincidência, mas sim da vontade, que poderá ou não ser bem-sucedida, de motivar as empresas a apostarem ainda mais nos seus trabalhadores.

No reverso da medalha e uma vez que as quantias despendidas com a formação de trabalhadores se tratam, para todo e qualquer efeito, de um investimento, às empresas caberá defender esse investimento. De facto, como contrapartida do investimento avultado realizado com a formação dos seus colaboradores, as empresas deverão sempre considerar a possibilidade de estabelecer “pactos restritivos da liberdade de acesso ao trabalho” com os trabalhadores que beneficiem do investimento realizado, como sejam os pactos de permanência ou de não concorrência. 

Com efeito, muitas empresas parecem por vezes esquecer que o investimento realizado com a formação dos seus colaboradores, desde que em quantia avultada (incluindo ou não a formação anual obrigatória), pode ser a base para a negociação de um pacto de permanência, nos termos do qual a empresa poderá, em termos práticos, reter o trabalhador até um máximo de 3 anos. 

Adicionalmente (e também como consequência daquele investimento), dentro de certos limites, as partes podem ainda estabelecer um pacto de não concorrência, através do qual os trabalhadores ficam, após a cessação do contrato de trabalho e até um período máximo de 2 anos, limitados ao exercício de qualquer tipo atividade concorrencial. No caso de trabalhadores cujas funções pressuponham uma relação especial de confiança ou que tenham acesso a informações particularmente sensíveis (onde este tipo de investimento é mais comum), esta limitação pode ser alargada até um máximo de 3 anos.

A lei não define o que se deve entender como investimento avultado, mas a doutrina e jurisprudência que já se debruçaram sobre a matéria são unânimes e remetem esta definição para uma análise caso a caso, nos termos da qual o valor adequado será encontrado, por exemplo por confronto com o salário do trabalhador. Importa também não esquecer que as partes são ainda livres de estabelecer cláusulas penais e assim definir a compensação a receber pela entidade empregadora na eventualidade dos trabalhadores não cumprirem com os pactos estabelecidos – circunstância em que a empresa, de uma forma ou outra, vê o seu investimento protegido. 

Em conclusão, é antecipável que as empresas sejam cada vez mais obrigadas, por via de imposição legal e/ou como resultado das dinâmicas de trabalho introduzidas pelas gerações mais novas, a investir na formação e requalificação dos seus trabalhadores, ferramenta que certamente servirá também para combater a dificuldade cada vez mais acentuada de reter talento – não devendo, ainda assim, as empresas deixarem de olhar para este tema de uma forma racional e garantir que estes investimentos são, tal como qualquer outro e na medida do possível, devidamente protegidos.  




Levi França Machado, Associado Principal da CCR Legal



"No reverso da medalha e uma vez que as quantias despendidas com a formação de trabalhadores se tratam, para todo e qualquer efeito, de um investimento, às empresas caberá defender esse investimento."

Levi França Machado, Associado Principal da CCR Legal