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Legal Flash: COVID-19 - Contratos, Seguros e Governance – o impacto da pandemia

Legal Flash: Principais Alterações Laborais dos Últimos Três Meses

Enquadramento

Este documento foi redigido após a comunicação do Conselho de Ministros de 12.03.2020 e após a publicação do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, relativo às medidas excecionas e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19.

Neste sentido as informações e soluções indicadas neste documento deverão ser interpretadas no contexto desta situação epidemiológica, estando, também por essa razão, este documento em permanente atualização e sujeito às alterações que ao longo dos próximos dias e semanas se vierem a revelar pertinentes.

1. Contratos

a. Impacto da pandemia nos Contratos

O impacto da pandemia nos contratos entre privados não tem um tratamento direto nas medidas extraordinárias já aprovadas, e deverá ser avaliada caso a caso, mediante interpretação do contrato e da lei aplicável (que não será necessariamente a lei Portuguesa).

Por um lado, é necessário confirmar se o contrato prevê, expressa ou implicitamente, mecanismos que possam dar resposta a este tipo de eventos extraordinários (no caso, após o reconhecimento de existência de uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde). A título de exemplo, o contrato poderá prever cláusulas de força maior, de alteração de circunstâncias, que poderão determinar o direito de cessação, suspensão ou prorrogação (moratórias) de prazos ou, tão somente, a não aplicação de penalidades por não cumprimento de níveis de serviço, perante eventos não imputáveis ou fora do controlo das partes, etc.

Por outro lado, é sempre aconselhável – e de forma muito especial nas circunstâncias excecionais em que vivemos – avaliar a validade desses mecanismos contratuais ao abrigo da lei aplicável.

Por sua vez, ainda que o contrato não preveja mecanismos específicos, deverão ser verificadas as soluções legais existentes ao abrigo da lei aplicável, por exemplo o regime legal de alteração das circunstâncias ou de impossibilidade objetiva ou subjetiva (ligada ao sujeito obrigado) de cumprimento.

b. Face às circunstâncias atuais, estou impossibilitado de cumprir o contrato

A lei prevê soluções para dar resposta a situações de impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais, a título definitivo ou temporário, total ou parcial.

Em termos gerais, se o cumprimento se tornar definitivamente impossível por causa não imputável ao devedor, a lei prevê a extinção das respetivas obrigações contratuais. Nos casos em que a obrigação contratual se torne impossível por causa não imputável ao devedor, este não terá o dever de indemnizar; no entanto, se já tiver recebido a prestação da contraparte, existe a obrigação de restituir ou, caso tal não seja possível, compensar a contraparte.

Se a obrigação se tornar apenas temporariamente impossível (ou seja, se apenas implicar o adiamento do prazo para cumprimento), o devedor não responde pelas consequências do atraso da sua prestação. Sem prejuízo, pode o credor perder o interesse na prestação (sobre esta matéria, remetemos para a línea d).

Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada. Porém, se o credor não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio.

A impossibilidade de cumprimento implica a verificação dos requisitos legais, incluindo prova de que existe nexo causal (relação de causa-efeito) entre o evento alegado e a impossibilidade de cumprir as obrigações contratuais.

Uma vez mais, estas soluções não são automáticas e devem ser avaliadas caso a caso, contrato a contrato. De forma a acautelar a eventual necessidade de invocar a impossibilidade de cumprimento e um cenário de litígio, é importante assegurar que a prova dessa impossibilidade se encontre devidamente documentada.

c. Face às circunstâncias atuais, o cumprimento do contrato tornou-se excessivamente oneroso

Poderá suceder que a obrigação contratual se tenha tornado excessivamente onerosa. Esta situação poderá ser atendível, por exemplo, se tiver ocorrido uma alteração das circunstâncias que fundaram o contrato e a decisão de contratar.

No entanto, em termos práticos e face à experiência das decisões dos tribunais no passado em eventos com impacto global na sociedade, este é um mecanismo de utilização excecional, que deverá sempre ser muito cautelosamente ponderado, face às circunstâncias concretas.

Uma vez mais, estas soluções não são automáticas e devem ser avaliadas caso a caso, contrato a contrato, tendo em conta os riscos próprios do contrato, a relevância do evento para a execução do contrato, a equidade da solução e, por fim, a capacidade de prova desses factos em tribunal em caso de litígio.

d. Face às circunstâncias atuais, o meu cliente / fornecedor está impossibilitado de cumprir o contrato. Como reagir?

A lei prevê a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, invocar a perda de interesse na prestação e resolver o contrato sem lugar a compensação, podendo ainda exigir a restituição da prestação já realizada.

Uma vez mais, estas soluções não são automáticas e devem ser avaliadas caso a caso, contrato a contrato. Face à possibilidade uma eventual disputa entre as partes, é muito importante assegurar a existência de registos escritos sobre todas as trocas de impressões que possam resultar na alteração da relação contratual.

2. Cobertura de seguros

Relativamente às questões relacionadas com a cobertura de determinados riscos no atual contexto de declaração de pandemia, a Associação Portuguesa de Seguradores (em representação das empresas de seguros suas associadas), informou o seguinte:

  • No âmbito dos seguros de saúde, a declaração oficial de pandemia não determinou, por si, qualquer alteração no normal funcionamento destes seguros e assim continuarão a ser pagas as prestações contratualmente devidas. Em relação ao atual surto epidémico, as seguradoras estão empenhadas em colaborar ativamente na prevenção do mesmo. Assim, com o objetivo de facilitar a deteção atempada evitando a propagação do vírus, mobilizaram as suas linhas de assistência aos clientes no esclarecimento de dúvidas e no apoio ao diagnóstico e estão a suportar os custos dos testes de diagnóstico sempre que haja a necessária prescrição médica. Neste contexto, perante o surgimento de qualquer caso suspeito ou com diagnóstico de COVID-19, as empresas de seguros, em conformidade com as orientações definidas pela DGS, estão obrigadas a encaminhar esses casos para os serviços especializados do SNS.
  • No que respeita aos seguros de vida, a generalidade dos contratos de seguro não tem qualquer exclusão das coberturas contratadas por efeito da declaração de epidemia/pandemia.
  • Serão considerados como acidentes de trabalho, nos termos da legislação em vigor, os acidentes ocorridos no desempenho de funções em regime de teletrabalho, seja por indicação de autoridade pública ou da entidade empregadora. As empresas devem documentar o teletrabalho, nomeadamente identificando os trabalhadores, datas e horas autorizadas, e as respetivas moradas onde vai ser prestado o trabalho.
  • Em relação aos seguros de assistência e seguros de viagens, os clientes que tenham contratado diretamente o seguro e se vejam impedidos de viajar por infeção (deles ou de quem deles dependa) com COVID-19 podem, na maioria dos casos, acionar esta cobertura, desde que ocorra internamento hospitalar e/ou quarentena (imposta por entidade competente) da pessoa infetada, conforme se tem verificado nos casos até agora detetados. A diversidade dos contratos dos seguros de viagem aconselha a consulta à respetiva seguradora. Também nos casos de viagens contratadas através de agência de viagens se aconselha a consulta à seguradora.

3. Governance de sociedades

a. Deveres e responsabilidades especiais dos órgãos de administração

Face às suas funções e responsabilidades, impendem sobre os órgãos de administração especiais deveres de cuidado na gestão dos riscos da pandemia.

As sociedades devem promover ativamente medidas para garantir a segurança dos seus trabalhadores, sócios, clientes, fornecedores e demais stakeholders, e em simultâneo procurar assegurar a continuação da sua atividade.

As atuais circunstâncias colocam múltiplos desafios aos órgãos de administração, incluindo a necessidade de:

  • repensar os locais de trabalho e as políticas de viagens dos trabalhadores (conciliando os planos de contingência e as medidas excecionais que estão a ser implementadas nos diversos territórios em que tem atividade, de forma a garantir a segurança dos trabalhadores) e, na medida do possível, evitar a propagação da pandemia na equipa
  • preparar ou revisitar os planos de contingência e de continuidade, de forma a ajustá-los à realidade atual, criando grupos de trabalho para monitorizar a evolução da pandemia (em articulação com as autoridades de saúde e as autoridades locais) bem como os impactos económico-financeiros com reflexo na atividade
  • avaliar a cadeia de fornecimento (de forma a identificar alternativas de fornecimento e evitar ruturas que possam conduzir a paralisações e consequentes incumprimentos contratuais)
  • avaliar a cadeia de distribuição para assegurar a continuidade do negócio, se possível
  • identificar pontos críticos de falha ou rutura (tais como as equipas críticas da empresa), e assegurar plano de contingência e redundâncias para assegurar a continuidade dessas funções
  • reconhecer as dificuldades que os seus mercados e clientes enfrentam
  • analisar rapidamente todos os compromissos contratuais para aferir quais os que permitem a renegociação dos seus termos face às circunstâncias
  • analisar disponibilidades financeiras e sua adequação ao período de quebra de receitas e dificuldade de cobranças que se avizinha
  • reconhecer o impacto da paragem nos serviços públicos, designadamente tribunais para questões não urgentes ou não essenciais, em ações judiciais em curso, designadamente providências cautelares (se afetadas) e ações de cobrança
  • assegurar uma comunicação adequada, interna e externa
  • utilizar cenários de análise para ponderar os impactos de curto e médio prazo
  • não descurar os demais riscos do negócio

A atuação dos órgãos de administração deve ser sempre norteada por critérios de racionalidade empresarial e devidamente documentada. A ausência dos referidos planos ou a sua falta de comunicação atempada poderá resultar na responsabilização dos membros dos órgãos de administração

b. Reuniões dos órgãos societários: realizar nas datas previstas ou adiar

Aproximando-se as datas previstas na lei para as assembleias gerais anuais e demais reuniões dos demais órgãos societários, as empresas deparam-se com a necessidade de avaliar a necessidade de proceder ou não ao respetivo adiamento.

Relativamente à data de realização das reuniões, o diploma que aprova as medidas extraordinárias prevê expressamente que as assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas que devam ter lugar por imposição legal ou estatutária, possam ser realizadas até 30 de junho de 2020.

Em linha com estas medidas estão as medidas tomadas pelo Governo no passado dia 9 de março, no que diz respeito ao cumprimento de obrigações declarativas e fiscais, tendo sido prorrogados os prazos (i) da entrega da declaração Modelo 22 do IRC, de 31 de Maio para 31 de Julho de 2020, (ii) do pagamento do primeiro pagamento especial por conta de 30 de março para 30 de junho e (iii) do primeiro pagamento por conta do IRC de 31 de julho para 31 de agosto.

Quanto a assembleias gerais já convocadas, deverá ser cuidadosamente ponderada a necessidade de revogar a convocatória ou adiar a data da respetiva assembleia geral. Tais decisões deverão, em qualquer caso, ser devidamente fundamentadas, sendo ainda necessário assegurar a respetiva comunicação atempada aos sócios e demais membros dos órgãos sociais relevantes.

c. Reuniões anuais dos órgãos societários: presenciais ou por outros meios

Quanto ao modo de realização das assembleias gerais anuais e reuniões dos demais órgãos societários, será necessário avaliar se as reuniões poderão ter lugar de forma presencial ou por outros meios.

A este propósito é importante esclarecer que o Código das Sociedades Comerciais determina a possibilidade de realização de reuniões (da assembleia geral e dos órgãos de administração em geral) através de meios telemáticos desde que os respetivos estatutos (que poderão sempre ser alterados) assim não o proíbam. O Código determina ainda que nesse evento deverão ser assegurados os meios que assegurem a fiabilidade das comunicações.

No caso de se insistir na realização de reuniões presenciais da assembleia geral, as sociedades deverão preparar e assegurar o cumprimento de regras de conduta para evitar o risco de contágio dos participantes. De forma a não colocar em risco a saúde e segurança dos respetivos participantes, uma outra possibilidade é o exercício do direito de voto por correspondência ou de deliberações unânimes por escrito.

Em geral, deverão ser equacionados planos que evitem a presença física no mesmo espaço, em reuniões, de todos ou parte dos membros dos órgãos sociais e outros profissionais com papéis críticos para a organização.



As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que a CCR Legal entende serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da CCR Legal e/ou diplomas às quais as mesmas se referem. Para mais informações contacte:





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