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Alterações ao regime da propriedade horizontal


Enquadramento

Foi publicada a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro (“Lei”), que procede à revisão do regime da propriedade horizontal, tendo procedido à alteração dos seguintes diplomas legais:

  • i. Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966 (“CC”);
  • ii. Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro (normas regulamentares do regime da propriedade horizontal); e
  • iii. Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de agosto.

Gostaríamos de salientar os seguintes aspetos das alterações introduzidas pela Lei:

I. Alterações ao Código Civil

1. Modificação do Título Constitutivo de Propriedade Horizontal

O artigo 1419.º do CC, na sua redação anterior, previa que a modificação do título constitutivo de propriedade horizontal carecia de unanimidade, isto é, do acordo de todos os condóminos.

Na sua atual redação, o artigo 1419.º do CC passou a prever a possibilidade de se suprir judicialmente a falta de acordo dos condóminos para a alteração do título constitutivo quanto a partes comuns, contanto que (i) os votos representativos dos condóminos que não consintam na alteração sejam inferiores a 1/10 do capital investido e, ainda, que (ii) a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam.

2. Declaração de dívida do condómino

Foi aditado o artigo 1424.º-A ao Código Civil relativo à responsabilidade por encargos do condomínio.

Nos termos do referido artigo, passou a recair sobre o condómino, no âmbito da celebração de contratos de alienação da fração da qual é proprietário, a obrigação de requerer junto do administrador a emissão de declaração escrita de dívida do condómino (“Declaração”), da qual conste:

  • i. o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fração, com especificação da sua natureza, respetivos montantes e prazos de pagamento; e, caso aplicável,
  • ii. as dívidas existentes, respetiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento.

O administrador deve emitir a mencionada Declaração no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar do respetivo requerimento.

A Declaração passou a ser um documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado de alienação da fração em causa, salvo se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que estipule a alienação da fração, que prescinde da referida Declaração, aceitando a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.

3. Encargos de conservação e fruição

No que respeita aos encargos de conservação e fruição, a Lei veio estipular que, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.

As despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

Caso o estado de conservação das partes comuns afetas ao uso exclusivo de um condómino afete o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na proporção do valor da sua fração, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável.

4. Reparações indispensáveis

A Lei introduziu uma definição de reparações indispensáveis e urgentes, as quais são as necessárias, num curto prazo, à eliminação de vícios ou patologias existentes nas partes comuns, que possam, a qualquer momento:

  • i. causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios; ou
  • ii. causar ou agravar danos em bens; ou
  • iii. colocar em risco a segurança das pessoas.
5. Assembleia de condóminos
5.1 Reunião

Com as alterações introduzidas pela Lei, passou a prever-se a possibilidade de a reunião da assembleia de condóminos, que se deve reunir na primeira quinzena de janeiro para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação das despesas a efetuar durante o ano, poder realizar-se, a título excecional, no primeiro trimestre de cada ano, desde que esta possibilidade esteja contemplada no regulamento do condomínio ou resulte de deliberação da assembleia de condóminos, aprovada por maioria.

5.2 Convocação por correio eletrónico

Uma grande novidade introduzida pela Lei é a possibilidade de a assembleia de condóminos poder ser convocada por via de correio eletrónico, para os condóminos que tenham manifestado essa sua vontade em assembleia de condóminos realizada anteriormente, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço de correio eletrónico.

Nos casos em que o condómino pretenda ser convocado por correio eletrónico, recai sobre o mesmo a obrigação de, pela mesma via, acusar a receção do e-mail da convocatória.

5.3 Segunda convocatória

Passou a prever-se a possibilidade de, na falta de comparência de número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, a convocatória poder ser feita para trinta minutos depois, no mesmo local, desde que estejam reunidas as condições para garantir a presença, no próprio dia, de condóminos que representem um quarto do valor total do prédio.

5.4 Comunicação das deliberações aos condóminos ausentes

As deliberações devem ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de receção ou por correio eletrónico, desde que, neste último caso, o condómino em questão tenha manifestado a sua vontade nesse sentido. O silêncio dos condóminos é considerado como aprovação da deliberação comunicada.

6. Funções do administrador

Para além das funções já atribuídas ao administrador, este passa a ser igualmente responsável por:

  • a. verificar a existência do fundo comum de reserva;
  • b. exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas no regulamento do condomínio ou por deliberação de assembleia;
  • c. executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;
  • d. informar, por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo;
  • e. informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva;
  • f. emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração;
  • g. intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação.

Sempre que esteja em causa deliberação da assembleia de condóminos relativamente a obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, recai sobre o administrador a obrigação de apresentar, pelo menos, 3 orçamentos de diferentes proveniências, para a execução das mesmas, contanto que o regulamento do condomínio ou a assembleia de condóminos não disponha de forma diferente.

Em caso de incumprimento pelo administrador das funções que lhe são cometidas ao abrigo das disposições legais ou em deliberação da assembleia de condóminos, este é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.

7. Representação do condomínio em juízo

É clarificado que o condomínio é sempre representado, em juízo, pelo seu administrador, devendo o mesmo demandar e ser demandado em nome daquele. O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.

Fica igualmente estipulado que o administrador não carece de autorização da assembleia de condóminos para apresentar queixas-crime relacionadas com as partes comuns do prédio.

II. Alterações ao Regime da Propriedade Horizontal (Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro)

8. Atas

A Lei veio prever que deverão ser obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, as quais devem ser redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes.

Passa a prever-se igualmente que a ata deve conter um resumo do que se passou de essencial na assembleia de condóminos, devendo indicar (i) a data e o local da reunião, (ii) os condóminos presentes e ausentes, (iii) os assuntos apreciados, (iv) as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e (v) a menção do facto de a ata ter sido lida e aprovada.

A eficácia das deliberações depende somente da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos.

Quanto à assinatura e a subscrição da ata, passou a prever-se a possibilidade de as mesmas poderem ser assinadas e subscritas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou digitalizado que contenha outras assinaturas, competindo à administração de condomínio assegurar a aposição das assinaturas num único documento.

Releva-se que vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.

9. Realização da assembleia de condóminos à distância

Foi aditado o artigo 1.º-A ao Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de novembro, que estabelece a possibilidade de a assembleia de condóminos realizar-se por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência.

10. Dever de informação

Passa a recair sobre os condóminos o dever de informar o administrador do condomínio do seu (i) número de contribuinte, (ii) morada, (iii) contactos telefónicos e (iv) endereço de correio eletrónico, atualizando tais informações sempre que forem objeto de alteração.

No âmbito da alienação das frações, o condómino alienante deve comunicar ao administrador do condomínio o nome completo e o número de identificação fiscal do novo proprietário. A comunicação em questão deve ser efetuada pelo condómino alienante por correio registado expedido no prazo máximo de 15 dias a contar da data da alienação, sob pena de, caso assim não proceda, ser o mesmo responsabilizado pelo valor das despesas inerentes à identificação do novo proprietário, assim como pelos encargos suportados com a mora no pagamento dos encargos que se vencerem após a alienação.

11. Fundo comum de reserva

Com as alterações introduzidas pela Lei, passou a prever-se a possibilidade de os condóminos, por deliberação da assembleia, utilizarem o fundo de reserva para fim diverso do de custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios.

Caso os condóminos optem por usar esta facultade, passa a recair sobre os mesmos a obrigação de assegurarem o pagamento, no prazo máximo de 12 meses a contar da mencionada deliberação, da quotização extraordinária necessária à reposição do montante utilizado, sob pena de ser instaurada, pelo administrador do condomínio, ação judicial contra o(s) condómino(s) em incumprimento, para cobrança das quantias em dívida.

12. Dívidas ao condomínio

Deve constar da ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio (i) o montante anual a pagar por cada condómino e (ii) a data de vencimento das respetivas obrigações, a fim de a mesma poder constituir título executivo contra o condómino que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. Consideram-se abrangidas pelo título executivo os juros de mora à taxa legal, bem como as sanções pecuniárias, desde que estejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

Em caso de incumprimento de pagamento pelo condómino da respetiva contribuição, deve o administrador instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias acima referidas. A mencionada ação judicial deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.

III. Alterações ao Código do Notariado

É introduzida uma novidade no artigo 54.º do Código do Notariado, estabelecendo-se que os instrumentos pelos quais se partilhem ou transmitam direitos sobre prédios, ou se contraiam encargos sobre os mesmos, não podem ser lavrados sem que se faça referência à declaração de dívida do condomínio emitida pelo administrador (ver ponto I, n.º 2 acima), a menos que o adquirente expressamente declare, na escritura ou no documento particular autenticado que estipule a alienação da fração, que prescinde da referida declaração, aceitando a responsabilidade por qualquer dívida do condómino alienante ao condomínio.

IV. Aplicação da lei no tempo

A Lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação, i.e., 10 de abril de 2022, com exceção da alteração introduzidas ao artigo 1437.º do CC, que versa sobre a representação do condomínio em juízo, que entraram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, i.e., em 11 de janeiro de 2022.







As informações acima não pretendem ser uma análise exaustiva à totalidade das alterações ao regime legal vigente, mas uma seleção daquelas que a CCR Legal entende serem as mais relevantes, e não dispensam a consulta da CCR Legal e/ou diplomas às quais as mesmas se referem. Para mais informações contacte:



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